Bottas e a reunião.
O gabinete do prefeito Fábio Candido estava silencioso, exceto pelo tique-taque do relógio de parede e o som distante do trânsito lá fora. A mesa de reuniões, de madeira maciça, refletia a luz suave do fim da tarde. Sentados ao redor dela, três figuras-chave da administração municipal: o próprio prefeito, a secretária da Mulher, Rosicler Quartieri, e o secretário de Saúde, Rubem Bottas. O assunto em pauta era delicado, urgente e, para muitos, uma questão de justiça social: um projeto de assistência a mulheres vítimas de violência doméstica que ficaram com cicatrizes profundas no rosto e precisavam de cirurgias plásticas reparadoras.
Rosicler, conhecida por sua postura firme e olhar compassivo, foi a primeira a falar.
— Prefeito, secretário Bottas, estamos diante de uma oportunidade única de fazer a diferença. Essas mulheres carregam não apenas as marcas físicas da violência, mas também o peso emocional de se olharem no espelho e verem um rosto que não reconhecem mais. A cirurgia plástica não é apenas uma questão estética; é uma forma de devolver a elas a dignidade e a autoestima.
Fábio Candido, com seu jeito ponderado, concordou com um aceno de cabeça.
— Concordo plenamente, Rosicler. Mas precisamos garantir que o projeto seja viável financeiramente e que tenha um impacto real. Rubem, qual a sua visão sobre isso?
Por um momento, pairou um clima. Prefeito e secretária olhando para o secretário de Saúde. Rubem Bottas, um homem de meia-idade com um ar sempre sério, parecia desconfortável. Ele ajustou o colarinho e olhou para os papéis à sua frente, evitando o contato visual direto.
— Bem, prefeito, a ideia é nobre, mas precisamos considerar os custos. Cirurgias plásticas são procedimentos caros, e o orçamento da Saúde já está bastante apertado. Além disso, há uma fila enorme de pacientes esperando por procedimentos essenciais.
Rosicler não se intimidou.
— Rubem, entendo suas preocupações, mas não podemos ignorar o fato de que essas mulheres foram vítimas de uma violência brutal. Elas não escolheram estar nessa situação. A cirurgia não é um luxo; é uma necessidade. E, além disso, o impacto social de um projeto como esse seria imenso. Mostraríamos que a cidade não fecha os olhos para a violência doméstica.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Rubem Bottas parecia especialmente inquieto. Ele cruzou e descruzou as pernas, mexeu nos papéis novamente e finalmente respirou fundo.
— Eu entendo, Rosicler. Mas... — Ele hesitou, como se estivesse lutando contra suas próprias palavras. — Precisamos ser realistas.
Nesse momento, era impossível não notar o desconforto do secretário. Rubem Bottas, condenado por violência doméstica, parecia estar diante de um espelho que refletia não apenas suas ações passadas, mas também a dor que ele havia causado, além do arrependimento. Será que ele conseguia olhar para aquelas mulheres sem se ver no papel do agressor? Será que ele conseguia separar o homem público do homem que, um dia, por razões não esclarecidas, foi acusado de coisas semelhantes?
Rosicler, percebendo a tensão, decidiu apelar para o lado humano da questão.
— Rubem, imagine uma mulher que, depois de anos de abuso, finalmente consegue escapar. Ela sobreviveu, mas o rosto dela foi desfigurado. Ela não consegue um emprego porque as pessoas olham para ela com medo ou pena. Ela não consegue se olhar no espelho sem chorar. Agora imagine que nós, como governo, podemos mudar isso. Podemos dar a ela uma segunda chance.
O secretário de Saúde olhou para baixo, como se estivesse evitando o peso daquela imagem. Ele sabia que, naquele momento, não estava apenas discutindo um projeto. Ele estava sendo confrontado com as consequências reais da violência doméstica – algo que ele mesmo conheceu de perto no passado.
Fábio Candido, percebendo que a reunião estava chegando a um ponto crítico, decidiu intervir.
— Rubem, Rosicler, acho que estamos todos na mesma página. O projeto é importante e precisamos encontrar uma forma de viabilizá-lo. Rubem, quero que você trabalhe com a Rosicler para elaborar um plano concreto. Vamos ver onde podemos cortar custos ou realocar recursos.
Rubem Bottas assentiu, ainda visivelmente desconfortável.
— Certo, prefeito. Vamos trabalhar nisso.
Um projeto que vai além dos números.
Enquanto a reunião terminava e os secretários se levantavam para deixar o gabinete, era impossível não pensar no impacto que aquele projeto poderia ter. Para as mulheres vítimas de violência doméstica, a cirurgia plástica não seria apenas um procedimento médico; seria um símbolo de esperança e reconstrução.
E para Rubem Bottas? Talvez fosse uma oportunidade de redenção. Uma chance de usar sua posição para reparar, de alguma forma, o dano pelo qual é acusado de ter causado.
A reunião é hipotética, mas não impossível de acontecer. Diante disso, o secretário, já condenado por violência doméstica, corre o risco de passar pela situação.
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